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domingo, 29 de maio de 2011

Singularidades de uma Rapariga Loura

Ter 101 anos de idade talvez não permita mais fazer filmes muito longos, mas afina o humor, a coesão e o olhar crítico sobre coisas da sociedade que damos por imutáveis. Manoel de Oliveira precisa só de 63 minutos para satirizar toda a pompa dos cortejos amorosos portugueses, em Singularidades de uma Rapariga Loura.

Baseada no conto homônimo de Eça de Queiroz, a história acompanha Macário (Ricardo Trêpa), sobrinho de um comerciante, que começa a flertar com a tal loira que mora no prédio vizinho. Da janela, ele se encanta com o sorriso de Monalisa dela, com o detalhado dragão bordado no leque chinês dela, com o contraste do cabelo com o batom vermelho dela. Macário imediatamente decide que quer desposá-la - mas o tio não deixa.

O texto de Eça já é essencialmente irônico em relação a essa comédia de costumes. Oliveira adiciona, com seus enquadramentos rigorosos, comentários a respeito das tradições locais de salões literários, de protocolo da alta sociedade, de honra familiar, de (falsa?) erudição. Basta um retrato de família, por exemplo, pendurado na parede em meio a um diálogo entre o sobrinho e o tio, como se vigiasse seus herdeiros, para entendermos no que o pobre Macário foi se meter.

E aí faz bastante sentido que a narração do filme aconteça em um trem que partiu de Lisboa em direção a Algarve, com Macário contando, do futuro, sua história de perdição para uma estranha de viagem. Só em trânsito, de saída, o protagonista é capaz de enxergar o gesso de aparências que o sufocava.

E Manoel de Oliveira não posa de dono da verdade. Na realidade, é acima de tudo solidário - não há como não se condoer com o plano final do filme (essa imagem do pôster), em que a loura finalmente "descansa" da pose que adotava da janela para fora. É o tipo de simplicidade eloquente, encenada com pouco mais do que um fio de luz, que caracteriza o trabalho dos mestres.


4****

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